Wednesday, October 27, 2010

A entrevista

O cheiro de café forte invadiu a saleta onde dormia Maria, despertando-a de seu sono.  Sonhava com a entrevista que faria naquele dia: a tão esperada oportunidade de emprego parecia ter, finalmente, batido à porta. Estava fazendo uma prece de agradecimento a Deus, quando sua tia a apressou:
- Acorda menina, que daqui-lá é três condução.
Maria não esperou nem mais um momento. Bastaram vinte minutos para que tomasse banho, vestisse sua melhor roupa, engolisse o pão duro com um copo de café e chegasse ao ponto de ônibus. Naquele horário, a pequenina cobertura na calçada estava lotada. Mas não tinha problema. Também não tinha problema ir em pé, apertada, sacudindo dentro do circular.
Durante o caminho, a jovem pensava em sua família: a mãe, o pai, os quatro irmãozinhos... todos deixados em Arapiraca, interior de Alagoas, onde ela, com muito sacrifício, conseguira terminar o ensino médio.
- Não quero que cê trabaie na prantação de tabaco, fia. Cê vai pra São Paulo rumá um imprego mio – tinham sido as palavras incentivadoras de sua mãe quando, na rodoviária da capital alagoana, despediram-se.
Já fazia oito meses que Maria estava com sua tia. Havia distribuído currículos pela cidade inteira, mas ninguém lhe dera retorno. Não queria deixar escapar esta sua primeira chance. Aproveitou o longo trajeto para ensaiar as possíveis perguntas que seu entrevistador ia lhe fazer.
Perdida em seus pensamentos, nem percebeu que a condução – a terceira e última – avançara o ponto em que deveria descer. Rapidamente puxou a cordinha e saltou na parada seguinte.
- Por favor, como eu faço para chegar a esta firma? – perguntou a um transeunte, mostrando o nome da empresa escrito num papel, o qual não conseguia pronunciar.
- Ih, moça, tem que voltar um tantão para trás.
Preocupada em chegar atrasada, saiu correndo – correndo mesmo! – na direção indicada. E valeu o seu esforço. Faltavam dez minutos para as nove, horário marcado para o encontro, quando ela pôde vislumbrar o enorme portão, cujas letras douradas eram idênticas às que estavam rabiscadas no papel em sua mão. Preparou-se para pronunciar o português e apertou a campanhia:
- Bom dia. Por favor, poderia me informar como procedo? Vim para uma entrevista, marcada para as noves horas.
Um homem, que nada tinha de preocupado com o seu linguajar, respondeu-lhe:
- Ah, sim. Entra aí, moça. É só pegar uma senha comigo e ir ficar na fila.
Assim que pegou o papelzinho, número 1533, refilado à mão, Maria andou ao local indicado pelo porteiro. Tinha achado estranho o número alto, contudo, quando chegou à fila, compreendeu: provavelmente a primeira senha corresponderia ao número 1. Com a decepção em seu rosto, a lágrima quase descendo, ela pôs-se a esperar.
Agora os seus pensamentos eram outros, bem diferentes das ilusões criadas para aquela primeira entrevista. Era tanta gente para apenas algumas vagas. Tinha até alguns técnicos formados, outros universitários... Percebeu, afinal, que era apenas mais uma simples Maria em meio à multidão.

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